terça-feira, 8 de setembro de 2009

Não Te Deixarei Morrer, David Crockett


É um livro composto por uma série de crónicas de Miguel Sousa Tavares publicadas em jornais e revistas.

Excerto de um capítulo chamado Fidelidade.

"Não, tu não me ouves. Tu estás surdo e roído pela raiva. Mas talvez seja melhor assim. Talvez seja melhor que tu não me oiças, que não consigas ler os meus pensamentos. Tu não consegues ver que a distância que eu ponho entre nós é uma distância imposta a mim, antes de mais nada. Uma distância entre a minha vontade e a minha consciência. Tu não vês quando mudo as fraldas ao meu filho, quando o oiço chamar «Pai!» e não é a ti que ele chama. Tu não me ouves quando estou sentada em casa e aparentemente tudo está tranquilo, num regresso à normalidade que eu busquei e, contudo, chamo por ti até que o teu nome me magoe no peito: «Albert, Albert, Albert!».
Não, tu só vês o que eu mostro e não consegues ver para além do que vês. Vês-me
fugir ao teu olhar, ao teu encontro, à tua presença. Vês-me longe e alheia, como se tu não
fosses para mim mais do que uma história infeliz e acabada. Mas não me vês olhar-te
disfarçadamente, quando sei que não o esperas. Não vês o terror com que espio as outras mulheres aproximarem-se de ti. Não dormes comigo à noite quando eu me volto e torno a voltar na cama, buscando um sono que te apague de mim, que afaste as perguntas que então me devoram: «Onde estará ele agora? Estará sozinho em casa, sofrendo por minha causa? Estará acompanhado, dando a outra mulher o que eu já não tenho dele? Como fará ele amor com outra mulher? Como o pode?»"

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