segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Estômagos.

"Viajo de autocarro desde que perdi o estômago. Ando de um lado para o outro, entre paragens e estações, aldeias e cidades, caminhos e estradas... Não pretendo encontrar o meu estômago, sei que se perdeu para sempre. A única coisa que quero é preencher o vazio em que agora andam perdidos os sucos gástricos, o nada que habita junto ao intestino, o caos que se criou entre o peito e a cintura. Porque desde que fiquei vazio por dentro e ando desesperado por remediar a minha situação, também sei que sou menos filho da puta. Os filhos da puta não têm estômago, eles sabem-no e não fazem nada para resolver a situação. Eu, pelo menos, tento ocultar as minhas ausências mudando de vida num autocarro qualquer. Mas não é fácil, nada fácil. Tudo o que me acontece provoca-me muito stress. Demasiado. Desde que vivo assim os nervos não têm onde se agarrar e de cada vez que fico tenso acabam por escalar pela traqueia até à gartanta, esperando que os vomite numa curva qualquer, o que me obriga a viajar com um saco por perto para poder despejas a ânsia que me vem à boca de quando em quando.
Não sei exactamente porque decidi viajar de autocarro para preencher a minha ausência, mas durante este tempo aproveitei para elaborar um inventário de necessidades que me permitiam criar algo que se possa colocar no ligar em que antes tinha um estômago. Acabei por concluir que deparar-me todos os dias com novas pessoas, paisagens e odores pode servir para me recordar coisas esquecidas da etapa da minha vida anterior à de filho da puta. Também assim posso saber quem fui para poder fabriar o que quero ser: uma nova pessoa que gire em torno de um estômago inventado. Não é uma ideia descabida. Trata-se de captar e dissecar todas as imagens que me chegam através da janela do lugar em que me sento, das estações a que chego, daquelas de que parto, das pessoas que viajam a meu lado. O que persigo, creio, é elaborar um cenário preciso, com as personagens necessárias, em que me deixe decorrer a minha história e em que a possa tragar sem me preocupas com ter que a regurgitar, tal como acontece com os meus nervos. Que tudo fique bem quieto no lugar em que tenha que ficar, embora seja só cenário. Apesar de ser mentira.
A minha transformação em filho da puta não se produziu da noite para o dia. Foi um processo longo e meditado. Levei dois anos a levar a montar a minha empresa. "Damos más notícias a quem você quiser". Era esse o seu slogan. Estás louco, diziam-me a príncipio, uma coisa dessas não pode resultar! E eu pensava nos telejornais e nos jornais, autênticos abastecedores de más notícias com grandes resultados. Estavam todos errados. Começaram a contratar-me para dar más notícias a familiares, amigos, empresários, clientes... Até aí tudo corria bem. Era um trabalho fácil e eu não sentia nada perante as aflitas e mecânicas reacções daquelas pessoas. Eram lógicas. O problema, o que me fez perder o estômago de uma estocada, foi comunicar a um tipo que a sua esposa e o seu irmão tinham falecido num acidente de viação. olhou-me com os olhos muito abertos e de repente começou a rir sem parar. Senti um golpe na zona do abdómen. O mundo está cheio de filhos da puta. Mas eu, pelo menos, procuro um estômago."

Escrito por: Diego González (1970).

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